Bares das Docas

Ela pediu uma Cola e eu pedi um Cappuccino, como pedia sempre que ia a um bar à noite. Não estava numa de álcool e ela também não.
- Não. Quer dizer, estive um ano na faculdade, mas depois desisti, ver o mundo por uns tempos. Pode ser que volte para o ano. Sou mais do género de ir ficar a gerir o império milionário do meu pai - Expliquei, não muito contente com a ideia. Pareceu-me ser a resposta adequada. Também não queria revelar de mais, não a conhecia e ela também não tinha obrigação nenhuma de me estar a ouvir contar a história da minha vida - E tu, estás no curso que quê? - Perguntei.

Olhei-o com alguma atenção. Império do pai, bem me parecia que estava envolvido algum familiar com aqueles carros e tão pouca idade. Não parecia muito contente em receber a empresa milionária dele. Tinha duas vertentes: Era rico a pala dos pais, com uma boa vida e com trabalho garantido e não tinha de fazer grande coisa da vida, e, geralmente nos casos tudo o que eles não queriam fazer era algo que não gostassem, que geralmente era assumir a empresa do pai. Recebi imediatamente a minha coca-cola fresca e bebi um bocado, sentindo a borbulhar dentro de mim dando uma vontade enorme de arrotar. Não o fiz, obviamente. Encostei-me durante um bocado na cadeira e fiquei a ver. Passei a mão por um dos meus cabelos e reparei sem querer nas mãos do rapaz assim que ele recebeu o cappuccino.
-Entrei este ano em Saúde -comentei. Parecia mesmo uma daquelas marronas a dizer “saúde” mas foi algo que sempre gostei e nem me esforcei muito para a conseguir. Mentira, esforcei-me imenso só que podia ter feito melhor se me esforçasse e ai não tinha de andar um ano a não fazer nada por não ter entrado. Também gostava de ver o mundo por uns tempos, mas assim era da maneira que despachava mais facilmente este assunto. Problema era arranjar trabalho. Nem todos éramos como Thomas. Olhei-o novamente enquanto pousava o meu copo na mesa.
– E tu, se voltasses a faculdade, sem qualquer tipo de pressões ou empresas milionárias, escolhias fazer/estudar o quê?

Respondeu "saúde", como se fosse um ligeiro embaraço. Pois, se estava em saúde, a média devia ser alta. Estaria eu a conviver com uma nerd? Não me parecia.
– E tu, se voltasses a faculdade, sem qualquer tipo de pressões ou empresas milionárias, escolhias fazer/estudar o quê? - Perguntou.
- Ora aí está uma boa questão - Respondi. Não tinha bem a certeza o que queria estudar, por isso é que o primeiro ano no curso de Gestão tinha sido uma completa perda de tempo. Eu raramente metia os pés em sala de aula e a única coisa que fazia relacionada com a escola era ir às festas organizadas pelos veteranos. - Não tenho jeito para Gestão, que era o que devia estar a tirar, para conseguir gerir a empresa. Não sei o que gostava de tirar, sinceramente - Respondi - Gostava de escolher um emprego normal, como qualquer pessoa, em vez de ter um que me foi impingido - Concluí.

Ela acenou com a cabeça, em sinal de compreensão. Passámos a maior parte da noite a conversar sobre os nossos gostos e, no fim, de como tínhamos ido parar a Runaway. Ao fim da noite, dei-lhe boleia para casa e ela agradeceu pela mesma, pela terceira vez na mesma semana.
- Bem, se voltares a precisar de boleia, eu estou por casa - Disse, antes de me despedir - Boa noite - E sorri-lhe uma última vez, antes de arrancar.