Bares das Docas

Situados numa rua perto do rio, com meros 500 metros de distância entre as discotecas, os bares são ideais para quem tende a escapar ao barulho e a confusão das discotecas e prefere locais mais calmos.

Proibida a venda de álcool a menores de 18 anos. Apenas é permitida a entrada de menores de 16 anos se estiverem acompanhados por um adulto.

Mia Harris tinha ficado uma eternidade no chuveiro, enquanto fingia que cantava alguma coisa de jeito, e quase inundava a casa de banho. Quando finalmente conseguiu chegar ao quarto, com a casa de banho novamente apresentável, ficou vinte minutos a olhar para as gavetas sem saber o que vestir e outros dez a maquilhar-se e a ajeitar o cabelo.
Após duas horas de complicações femininas, Mia conseguiu sair de casa. Radiante por o seu Volkswagen Fusca de 1963 ter pegado à primeira, conduziu até aos bares das Docas na esperança de encontrar alguma animação. Geralmente, as quintas-feiras eram entediantes.
Pediu o seu Irish Coffee habitual e sentou-se numa mesa de canto.

Após um dia inteiro encarcerado na sua nova - e bela - jaula, o único acontecimento entusiasmante daquela tarde tinha sido uma carrinha de mudanças parada em frente da vivenda nº 3.
Portanto, depois de uma tarde entediante fechado em casa e com um jantar minimamente pobre - comida de microondas - decidiu pegar no seu BMW e dar umas voltas à noite pela cidade, para ver onde a acção acontecia por ali. Após várias e várias voltas, sem saber onde se dirigir, acabou por encontrar uma plaquinha com um mapa da cidade. Depois de a estudar e de memorizar o caminho até aos bares, voltou a enfiar-se no carro.
Quando finalmente chegou, entrou imediatamente no primeiro bar. Ao passar a porta de entrada chegou-lhe aos ouvidos uma melodia daquilo que lhe pareceu ser Depeche Mode. "Um bar com música de jeito", pensou para si próprio. E também tinha um ambiente simpático. Sentou-se numa mesa posicionada ao lado do balcão e pediu um Cappuccino. Enquanto esperava ser servido reparou que estava sozinho dentro daquele bar unicamente com outra rapariga. Talvez por ainda ser cedo, não se encontrasse muita gente na rua.

No momento em que Harris tentava identificar a música que passava no bar, sentiu uma ligeira corrente de ar. O seu olhar desviou-se para a porta e vislumbrou um rapaz alto a entrar. Bastante alto para dizer a verdade. Bebericou o seu Irish Coffee e observou-o no balcão. Deu uma olhadela rápida no Blackberry para verificar se o alguém tinha enviado alguma mensagem e, em silêncio questionou-se sobre quem seria o rapaz. Quando olhou novamente, viu que ele tinha desaparecido.

A primeira impressão que teve da rapariga - pela maneira como ela olhou para o BlackBerry - era que devia ter um pouco de mania de, diva, talvez. No entanto não deixou de admirar a beleza que a rapariga deixava transparecer. Quando o empregado voltou para o servir, agarrou com cuidado na caneca, que ainda estava quente e aproximou-se da mesa da rapariga pelo lado esquerdo. Esta nem reparou na presença dele, porque se encontrava novamente a olhar para o BlackBerry. Por esse motivo ficou surpreendida quando este educamente perguntou: "Posso fazer-te companhia? Reparei que estás sozinha", enquanto lhe esboçava um pequeno sorriso.

Ainda intrigada, quase deixou cair espalhafatosamente o café para cima de si quando ouviu a voz do rapaz mesmo ao seu lado. Ficou tão surpreendida com o tom educado com que ele a questionou que demorou alguns segundos a responder.
-Claro... senta-te! - Disse embaraçada com a situação Tirou um guardanapo e passou-o pela mesa, limpando os borrões de café que tinha entornado. - Então, novo por estes lados ou só de passagem?

Como sempre, tinha obtido o efeito desejado, uma vez que a rapariga quase derramara o café por cima de si quando a abordou. Sentei-me, descontraidamente na cadeira em frente da rapariga e pousei a sua caneca suavemente em cima do tampo da mesa, enquanto observava a rapariga completar a tarefa de limpar os pingos de café de cima da mesa.
- Bem, ainda não sei se estou de passagem ou se vou ficar - Respondi-lhe vagamente - Depende como correr a adaptação a Runaway - Expliquei - Mas bem, não interessa - Entretanto reparei que ela me observava e concluí que ainda não me tinha apresentado - Ah! Que estupidez, nem me apresentei. O meu nome é Thomas. Thomas Wagner, mas podes tratar-me por Thomas ou Tom, como preferires - Voltei a dirigir-lhe um sorriso.

A morena olhou desdenhosamente para o rapaz quando ele explicou que só ficaria em Runaway City se a adaptação corresse bem. - Vais ficar. Runaway City é demasiado... tentadora. Com o tempo, vais aperceber-te que acontecem coisas muito peculiares nesta cidade. - Avisou ela naturalmente. - Mas, quem sabe, talvez sejas dos poucos que fica apenas de passagem. - Concluiu com um sorriso, encolhendo os ombros. O rapaz, que agora se apresentara como Thomas devolveu-lhe o sorriso e ela também se apresentou. - Mia Harris.

Não lhe respondeu imediatamente.
Estava intrigado pelas palavras da rapariga. "Vais aperceber-te que acontecem coisas muito peculiares nesta cidade". Peculiares? Que quereria ela dizer com "coisas peculiares"? À primeira vista aquela cidadezinha não lhe tinha mostrado nada de importante, nem mesmo quando tinha andado às voltas por ali havia menos de uma hora.
Não parecia haver vida, muito menos pessoas. Tinha-se até questionado sobre ter-se mudado para uma cidade aconselhada a aposentados. No entanto, não era a primeira vez que ouvia falar de Runaway. Era de facto, por todo o mistério envolvente naquela cidade, que ele havera decidido mudar-se para lá. Poderia ter escolhido qualquer cidade no mundo, dinheiro para si não era problema, mas tinha-se decidido por Runaway. E esperava que viesse a ser a escolha acertada.
Sorriu finalmente para a rapariga.
- Bem, se tu o dizes, acho que vou confiar - Disse - Faz-se alguma coisa de jeito por estes lados, numa Quinta-feira à noite?

- Bem, se tu o dizes, acho que vou confiar. - Disse Thomas. Estava, muito provavelmente, a pensar naquilo que Mia tinha dito. - Faz-se alguma coisa de jeito por estes lados, numa Quinta-feira à noite?
- Só em tempo de aulas, mas como ainda só é a primeira semana muitos estão em mudanças e a regressar das férias. - Na verdade, o que Runaway precisava era de um bom drama. Os telemóveis rapidamente estariam recheados de mensagens escandalosas e, aí sim, teria agitação suficiente para fazer com que toda a população jovem frequentasse os bares e a discoteca. - Já conheces a cidade?

Remoeu as palavras da rapariga por mais uns breves instantes. Era demasiado mistério para uma rapariga tão bonita. Não tinha a certeza de estar a gostar de Mia. Não conseguia decifrar nas palavras dela - ou através da sua linguagem corporal - se estava a dizer a verdade ou se estava simplesmente a armar-se em esperta, unicamente para o deixar com todo aquele suspanse a pairar por cima da sua cabeça. No fim de contas, não a conhecia, não sabia há quanto tempo morava ali, nem que credibilidade tinham as suas palavras.
- Já conheces a cidade? - Perguntou-lhe.
- Bem, não, ainda não. Dei umas voltas a tentar encontrar o caminho para aqui e antes disso só encontrei o caminho para a minha casa. Nada de mais - Respondi.

Com todo aquele mistério, Tom poderia estar muito bem a achar que ela estava a mentir acerca do que realmente acontecia em Runaway City. Convencida que, mais tarde, ele perceberia que ela não queria de modo algum que ele não se sentisse bem-vindo na cidade, não disse mais nada sobre o assunto.
- Anda daí. - Disse alegremente. Agitou a pequena carteira em busca de moedas para pagar os cafés e, depois de deixar o valor correcto em cima do balcão, sairam do bar.

Depois do meu desentendimento com o vizinho de cima combinei com a Mia sairmos para desanuviar. Aquele gayzolas andrógino metido a anti social não me ia deixar de mau-humor.
Por isso, depois de jantar, combinei tudo com a Mia, mudei de roupa rapidamente e dirigi-me até ao ponto de encontro onde tinha ficado combinado o encontro. Estava um noite fresca, típica de um fim de Verão. Quando cheguei às docas, fiquei à espera perto dos bares, à espera que ela viesse ter comigo.

Ao contrário daquilo que Mia esperava, não ia ficar a ver um episódio dos Simpsons repetido 618463248 vezes.
Trocou rapidamente de roupa, optando por umas skinny pretas e uma blusa cinzenta, e saiu no seu Carocha Fusca. Abigail já estava à sua espera.
- Hey Abs! Fiz-te esperar muito? - Perguntou à medida que a cumprimentava.

- Hey Abs! Fiz-te esperar muito? - Perguntou-me.
- Ah, não, nada disso - Fui respondendo à medida que acabávamos de nos cumprimentar e começávamos a caminhar em direcção a um dos bares - Vim a pé de casa até às docas, por isso cheguei aí há uns cinco minutos - Sorri. Estava mesmo irritada com o sacana do andar de cima, por isso resolvi meter o assunto de lado e tentar divertir-me enquanto nos sentávamos numa das mesas, a um canto do bar.

- Conheço um bar fantástico, anda daí! - Percorreram as Docas a pé. Entraram no bar favorito de Mia, numa zona movimentada e sentaram-se numa mesa de canto. - Então, o que aconteceu? Na mensagem dizias que estavas irritada... - Perguntou, enquanto esperavam que o empregado de mesa viesse atender os seus pedidos.

- Então, o que aconteceu? - Perguntou-me, à medida que nos sentámos à espera que nos atendessem. Ri-me. Afinal, agora que pensava nisso, dava-me vontade de rir. O embaraço devia ter sido dele e não meu.
- Pá, estás a ver aquele teu amigo, o Adam? O que se veste estranho e tem umas botas giras? - Perguntei-lhe. Ela anuiu que sim com a cabeça, ouvindo as minhas palavras atentamente - Portanto, desde que me mudei para o meu apartamento, que oiço patadas no chão todos os dias, especialmente durante a manhã e durante a noite. Durante a tarde não sei, porque estou a trabalhar. A questão é que hoje cheguei do trabalho, com uma mega dor de cabeça, e estava no sofá a tentar descansar quando me começa a entrar La Roux pelos ouvidos. Até aí tudo bem, também gosto da minha música aos berros, de ve em quando. Fui lá acima, chateada, por causa das patadas no chão, não por causa da música alta. Descobri que é ele quem mora por cima de mim! Mas ele foi rude e mal-educado, bateu-me com a porta na cara, depois de dizer que sim, que parava de bater com os pés no chão, como se me estivesse a fazer um favor! - Expliquei.

Ela despejou o motivo pelo qual estava tão chateada tão depressa que quase não tinha fôlego. Não fazia ideia de onde Abby e Adam moravam, mas era uma coincidência engraçada. Nunca imaginara que ele pudesse gostar de La Roux... na verdade, Mia odiava. Tinha uma voz tão irritante que se entranhava nos ouvidos de uma maneira alucinante. E também não o conseguia imaginar a executar complicados passos de dança em casa a ponto de incomodar os vizinhos.
- Ele não é meu amigo. - Corrigiu. - É apenas um conhecido. O que andará ele a fazer em casa para fazer tanto barulho? - Gargalhou perante a cara chateada de Abigail. - Tens de admitir que só o facto de o imaginar a dançar tem piada. - O empregado aproximou-se da mesa, de bloco e caneta na mão. - Um Irish Coffee e um Malibu Cola, por favor.

- O que andará ele a fazer em casa para fazer tanto barulho? - Perguntou, ainda divertida com a situação. Entretanto o empregado vei atender-nos e fizemos os pedidos.
- Bem, sinceramente, não sei - Respondi, vagamente - Só sei que o leva a andar em boxeurs e a oferecer-se às pessoas que lhe batem à porta, de maneira indecente! -"E rude", pensei ainda, para comigo - E também me parece que ele é um desocupado. Não deve ter vida, ou um emprego, como toda a gente, para passar os dias a ouvir música, a cantar e a dançar que nem uma corista em noite de duplo espectáculo! - Ri-me ao imaginar a cena. O empregado voltou pouco depois com os nossos pedidos numa bandeja.

- Uau Abby! Não te deverias sentir um bocadinho mais entusiasmada por veres o rapaz de boxers? Bem, se fosse eu ficava muito mais alegre. - Comentou travessa. - A não ser que ele fosse realmente horroroso... era? - Era uma questão pertinente. Nunca se sabia verdadeiramente o que se podia encontrar debaixo de uma imensidão de roupa. Se calhar até era demasiado escanzelado. O empregado voltou à mesa com os pedidos. Assim que pousou a chávena e voltou costas, Mia levou um pedaço de natas à boca com a colher. - E sim, de facto tem uma botas fantásticas. Ainda não me respondeste... - Olhou para ela curiosa.

- A não ser que ele fosse realmente horroroso... era? - Perguntou-me. Apanhou-me desprevenida de tal modo que me engasguei com o café e deixei-o escorrer pelo queixo. Ela riu-se, e eu não pude evitar rir-me também enquanto remediava aquilo com um guardanapo.
- Quer dizer, não é que eu tenha olhado assim muito - Até era verdade. A maioria do tempo ele tinha ficado atrás da porta. Só quando foi para me bater com ela na porta é que resolver exibir-se - É escanzelado e parece um cadáver de tão pálido que é - Resumi.

Mia gargalhou sonoramente quando Abigail arregalou os olhos perante a pergunta e se engasgou com o café. - Apanhada! - Acusou prontamente. - Afinal, ainda tiveste tempo para ver qualquer coisinha... só foi pena que te tenha saído um morto-vivo na rifa. - Encolheu os ombros. Deliciou-se com o último trago de Irish Coffee e colocou a mão no queixo, suspirando. - Runaway nunca foi tão aborrecida...

Suspirei após aquele último comentário da Mia.
- Bem, talvez agora, com o regresso dos universitários a cidade se anime - Comentei - A minha vida, por outro lado, nunca vai ser muito entusiasmante, a trabalhar na zona de lingerie de uma loja unisexo.
E era verdade. Ainda não tinha decidido se queria continuar a estudar ou não, por isso entretinha-me com aquele part-time para ir podendo pagar as contas. No entanto, não era o sonho de ninguém passar o resto da vida a vender lingerie a gente desconhecida.
Depois de um pouco mais de conversa, pagámos a conta e viemos embora.

A rapariga era engraçada.
- Andar de autocarro? - Perguntei, animado - Com três carros não preciso de andar de autocarro. Já me chegaram os dezoito anos que passei a andar à boleia - Sorri-lhe através do espelho retrovisor.
Rapidamente, e após falhar algumas curvas e rotundas, lá consegui estacionar perto da zona dos bares. Via-se imensa gente por ali. Era normal, numa Sexta-feira à noite, as pessoas da minha idade estavam à procura de diversão e de uma noite bem passada. Dirigiam-se todas para a zona das discotecas. No entanto eu e a rapariga - ela continuou comigo - resolvemos dirigir-nos até aos bares, onde a afluência era menos e conseguiamos ouvir-nos um ao outro lá dentro.

Entramos num bar que parecia bastante acolhedor, bem mais afastado daquela maluqueira das discotecas, o que era óptimo porque de facto preferia ouvir e estar sentada com o meu próprio espaço do que num local esmagada, toda suada e com os pés a doer. Sentamos numa mesa e o empregado veio com o menu da noite. Antes de mais, olhei para o rapaz, meio chocada. 3 CARROS? 3? Eu não tinha nenhum e ele tinha 3? Tentei manter-me normal.
- Compreendo – e fiquei a olhar para a lista das bebidas. O meu deus, o que raio é que eu andava por ali a dizer? Tinha de beber algo para ao menos ter a desculpa – Eu ando a poupar para um, dai veres-me a trabalhar no cinema e lá no restaurante. Mas só daqui a muito tempo é que o vou ter, por enquanto é pagar a faculdade – olhei-o – Estudas ou… algo do género?
Decidi pedir uma coca-cola, mesmo a criança. Não me apetecia beber para já álcool.